quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

sobre veganismo, purismo e outros ismos

Faz uma semana que não consigo vir aqui escrever uma linha. A entrega da minha dissertação de mestrado é daqui a pouco mais de uma semana e está difícil fazer qualquer coisa que não trabalhar nela. Mas vi uma notícia na internet (que foi comentada por muita gente no facebook) que não poderia deixar passar em branco.



Saiu na sessão Radar Fashion, no portal Terra uma matéria, onde o estilista Pedro Lourenço declara achar uma "babaquice" a pressão de ativistas dos direitos dos animais para que o uso de peles verdadeiras fosse banido da moda. Não vou entrar no mérito de discutir se Pedro Lourenço é ou não um "babaca" (até porque isso está dado e não exige discussão), mas o que me irritou profundamente foi a justificativa dele: "Só tem sentido discutir isso se as pessoas deixarem de usar sola de sapato de couro."

Essa lógica, do "ah, mas não tem porque fazer isso enquanto aquilo não for feito" serve para justificar toda e qualquer ação no mundo. Qual protetor de animais nunca foi confrontado com uma frase do tipo "não vejo o porquê de se preocupar tanto com bicho quando tem tanta criança (ou velho, ou adolescente, etc) passando fome"? Esse raciocínio dá a entender que, enquanto um problema específico não for erradicado do planeta, todos os outros não merecem atenção. E, convenhamos, a possibilidade de todas as crianças, velhos e adolescentes do mundo estarem bem alimentados um dia é, infelizmente, mínima.

Li no excelente blog DIstrito Vegetal um texto muito bom falando justamente sobre essa lógica, aplicada ao ideário vegano (link aqui). O texto defendia que muitas pessoas acabam não se interessando pelo veganismo justamente porque parece ser algo difícilimo de se conseguir. E muitos adeptos do veganismo não ajudam, condenando as pessoas por não seguirem o "código" vegano estritamente. E aí vem o nosso conhecido raciocínio: ah, mas se eu não consigo parar de comer queijo, deixa pra lá, vou continuar comendo carne". Pera aí! Não é justamente isso que o nosso muy amigo Pedro Lourenço está falando?! Que não adianta brigar contra as fur farms, que não faz diferença, enquanto todo o resto não for mudado?

Só que faz diferença. Tudo tem que começar por um lugar. Não tenho vergonha de admitir que tenho sim sapatos de couro no armário. Faz só um ano que parei de comer carne. Eventualmente uso leite e ovos orgânicos em receitas. Faz dois anos que comecei a comprar somente cosméticos e produtos de limpeza não testados em animais. Ainda é pouco? Sim, é bem pouco. É mais do que muita gente faz? Sem dúvida.  

O importante é não se deixar levar por esse pensamento "babaca" que gente como o "babaca" do Pedro Lourenço usa pra falar tais "babaquices". Repito, tudo tem que começar por algum lugar. Pena que exista tanta gente como esse menino, que acredita que simplesmente não vale a pena.

E agora chega, hora de voltar à dissertação!

Bonito né? Só que não.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Das maravilhas de Montevidéu

Gustavo e eu passamos uma semana no Uruguai em julho de 2011. Foram 3 dias em Montevidéu e outros 3 dias em Colonia del Sacramento, lugar geralmente associado a Buenos Aires, pois é comum pegar o buquebus e fazer um bate e volta a partir da capital portenha. Falaremos de Colonia e da minha vontade de morar lá até o fim dos dias em outra ocasião, hoje é dia de falar de Montevidéu. 

Tudo o que eu havia lido antes de ir a Montevidéu, relacionava a cidade ao verão. As praias à beira do Rio da Prata, as ramblas lotadas à calçadão de copacabana, as boates. De fato, no inverno praticamente não há turistas em Montevidéu, a cidade fica vazia até de uruguaios (diferente dos portenhos, me pareceu que os montevideanos não curtem o frio). E talvez por isso a cidade me encantou tanto, pois parecia vazia de espetáculo e de coisa-pra-gringo-ver. A minha Montevidéu é nua e verdadeira, cheia de vinhos, uvitas, picadas, chivitos, praças, ventos gelados, dias ensolarados e gente tomando mate até no ônibus.

Vamos começar pelo Mercado do Porto. Quanta decepção ver o Mercado no verão. Comida ruim, mal feita e cara, restaurantes lotados, calor insuportável. Tão diferente do que eu tinha visto no inverno. Na minha Montevidéu o mercado é bem mais vazio, a gritaria é controlada e é possível tomar uma Patricia gelada no balcão, conversando calmamente com o dono do restaurante. O mesmo dono de restaurante que não conseguia atender às mesas durante o verão, no inverno nos fez recomendações, bateu papo e nos serviu uma parrillada vegetariana maravilhosa. 

No inverno, caminhar pela Ciudad Vieja também não é o melhor dos programas, admito. Mas é melhor do que no verão, sem dúvida. Não tem aquele monte de gente vendendo quinquilharia esperando o próximo turista bobo. Tem a feirinha de antiguidades da Plaza Constituición, tem as lojinhas do Peatonal Sarandí. Tem os cafés cheios de gente tomando um submarino pra espantar o frio. E, apesar da conservação dos edifícios ser horrível (faz a gente até simpatizar mais com o IPHAN), tem coisas bonitas, como o Cabildo, a Catedral, os prédios em torno da Plaza Zabala... mais pra frente tem o Palacio Salvo (prédio de estilo duvidoso que durante anos foi o mais alto da América do Sul) e o Mausoléu do General Artigas (bem bonito, mais bacana que o Memorial JK, ouso dizer). Se Buenos Aires tem a famosa livraria El Ateneo, que fica dentro de um antigo teatro, Montevidéu não fica atrás. Lá tem a Librería Puro Verso, num edifício lindo construído em 1917.   
Plaza Zabala
Librería Puro Verso
Puerta de la Ciudadela
Palacio Salvo, visto da Plaza Independencia

 Na minha Montevidéu também tem o Baar Fun Fun, claro. Só que com poucos turistas e muitos locais. Tem uma família enorme de brasileiros simpáticos comemorando alguma coisa (os únicos brasileiros que encontramos durante toda a viagem). Tem também uma senhora que passou há muito dos seus 80 anos, esperando a banda começar a tocar, enquanto toma Uvitas (sei lá como explicar o que é uvita, sei que é tipo um shot e que é bom). Isso, aliás, é uma particularidade bacana do Fun Fun. Como a casa tem mais de 100 anos, as gerações se encontram e se entendem. A senhora bateu papo conosco e ainda reclamou que estávamos indo embora cedo demais (a prova cabal de que velhice nada tem a ver com idade). Lá também tem umas tábuas de petiscos (picadas) ótimas e estranhíssimas: a que pedimos combinava ravióli com queijo ralado por cima + rolinho primavera com molho shoyo.  
Gustavo, uvita e a senhorinha nossa amiga ao fundo

Picada e uvitas
Tem os bairros bacanas também. As casas "chiques" ficam no bairro Carrasco, próximo ao aeroporto (e longe da cidade). Mas os bairros de Pocitos e Punta Carretas são charmosos, cheios de bons restaurantes, ruas bonitas e pequenos parques, onde sempre tem uma feirinha acontecendo. A feirinha do Parque Biarritz é bacana, tem produtos locais bonitos, bancas de comida. E dá-lhe garrafinha de mate pendurada embaixo do braço! E tem famílias inteiras passeando encasacadas, tem quadra de tênis no meio do parque e as pessoas ficam assistindo ao jogo dos outros. Tem um monte de cachorro com dono, e eu fiz amizade com um vira lata branco que, apesar de ter o rosto meio deformado (parecia ter sofrido um acidente) era simpático e ostentava uma coleira azul enorme, o que provava que ele tinha um dono pra chamar de seu. 



Passeando em Pocitos
Para os consumistas de plantão, tem boas lojas. Não é aquela pseuso-miami que chamamos de Buenos Aires, mas é bem mais legal. Tem lojas femininas como a Lemon, que a minha irmã me apresentou e que eu adoro. Tem lojinha chinfrim, como a Tiendas Montevideo, onde é possível comprar coisas baratas para a casa e... roupas de dormir (pijamas, camisolas, roupões... coisas de boa qualidade e ridiculamente baratas). Vale a pena descobrir as marcas locais - e dá um certo prazer saber que a blusa que custa 600 pesos vale cerca de 55 reais... 


Enfim, por esses e outros motivos Montevidéu conquistou meu coração. Vejo as pessoas felizes e contentes indo passear em Buenos Aires e entendo o porquê. Os argentinos são melhores de marketing, sem dúvida (basta lembrar que o estádio do Boca Juniors conta com um museu cheio de salamaleques e o estádio Centenário em Montevidéu não conta nem com arquibancada direito). Mas talvez a graça esteja justamente aí. Montevidéu não é cidade turística, é cidade. E ponto.